Adiante
A XV Legislatura teve a sua primeira sessão de trabalhos na passada terça-feira. Tinham passado 114 dias desde a dissolução do parlamento pelo Presidente da República. Esta é uma legislatura que começou após eleições tornadas mais complexas pelo contexto pandémico e atrasada devido à anulação dos resultados no círculo eleitoral da Europa. Passamos demasiado tempo sem um parlamento em plenitude de funções, sem um Orçamento do Estado desenhado para este ano, o que resultou em finanças públicas geridas apenas a duodécimos. Está na altura de vermos uma governação eficiente, capaz de aproveitar o facto de esta poder ser a segunda maior legislatura desde o 25 de Abril (se levada a termo) para compensar o tempo perdido até agora.
Teremos tempo, num futuro próximo, de analisar os habituais jogos com que se iniciam as legislaturas: as escolhas para a Mesa da Assembleia da República ou os lugares atribuídos a cada grupo parlamentar, por exemplo. Importa mais, neste momento, abordarmos o que falta fazer no país, o que deveria ser urgente no processo legislativo vindouro.
Já mencionei o Orçamento do Estado, que será, certamente, a primeira prioridade da nova legislatura. A calendarização inerente à aprovação do OE significa que este só deverá chegar em Julho. No entanto, o facto de só estar vigente durante a segunda metade do ano não lhe retira a importância de ser o principal documento para lidarmos com os efeitos económicos da invasão da Ucrânia e da pandemia – com a qual, de alguma forma, teremos de continuar a viver. Até agora, os sinais de controlo orçamental têm sido positivos: o défice em 2021 foi melhor do que o esperado (e cumpre as regras orçamentais europeias, mesmo estando estas suspensas) e o Governador do Banco de Portugal parece otimista em relação à evolução da dívida pública nos próximos anos. Mas o contexto económico em que a Europa se encontra, com previsões de diminuição do crescimento e aumento da inflação, está a levar o BCE a reverter a política monetária dos últimos tempos, o que pode ter um impacto muito negativo na política orçamental portuguesa. Com o OE 2022, chega um dossiê muito difícil (e muito urgente) às mãos de um ministro das Finanças com qualificações duvidosas e ainda sem experiência.
A guerra na Ucrânia empurra também toda a Europa no sentido da independência energética da Rússia. Em Portugal, será necessário modernizarmos as nossas infraestruturas no sentido de reduzirmos a dependência de combustíveis fósseis. Os projetos financiados de acordo com o Programa Nacional de Investimentos 2030 tornaram-se agora ainda mais prementes, especialmente nos setores da energia e dos transportes, e é importante que sejam trazidos ao debate no Parlamento. De destaque, os investimentos em energias renováveis (com particular atenção às energias renováveis oceânicas), em eficiência energética (o Livre já mostra trabalho sobre este tema) e na ferrovia. No único país da União Europeia continental com mais quilómetros de autoestrada do que de caminhos de ferro, a ligação por comboio à restante Europa ajudará a reduzir o tráfego aéreo, muito poluente, e o investimento numa rede ferroviária mais completa será essencial para a redução do uso de veículos individuais, além de promover uma maior coesão territorial.
Ao mesmo tempo que olha para um maior desenvolvimento a médio e longo prazo, a nova Assembleia da República terá também de enfrentar os efeitos imediatos do corte com a Rússia, como a escalada dos preços da eletricidade e dos combustíveis. Os preços do petróleo já começam a regressar a valores pré-invasão, mas os preços da gasolina e do gasóleo continuam a bater recordes que nem os alívios fiscais parecem impedir. Urge pensar um maior escrutínio do Estado à atuação das gasolineiras.
Ademais, a guerra na Ucrânia obriga-nos a pensar acerca do investimento estrangeiro no nosso país. De acordo com o Banco de Portugal, a China é agora o quinto país que mais investe cá. Falamos de um país que continua a posicionar-se do lado da Rússia e que ameaça inúmeros conflitos com países vizinhos: notoriamente, continua a pôr em causa, de forma agressiva, a evidente soberania do Taiwan. É inadiável que o Parlamento aja no sentido de procurar novas estratégias de fomento ao investimento, com foco na diversificação do capital estrangeiro que entra em Portugal. Caso contrário, dentro de alguns anos, teremos em mãos uma situação bem pior do que a que vivemos hoje em relação à Rússia.
A nova legislatura herda também temas da anterior. Um exemplo é a discussão em torno dos debates quinzenais com o Primeiro-Ministro. Em 2020, a frequência com que o Primeiro-Ministro se vê obrigado a prestar contas em plenário da Assembleia da República foi reduzida (passou de quinzenal a bimensal), através de um acordo entre PS e PSD que constitui um marco de antiparlamentarismo e uma agressão ao devido escrutínio do Governo. Numa legislatura de maioria absoluta, esse escrutínio ganha importância redobrada. Felizmente, no primeiro dia de trabalhos do novo Parlamento, Iniciativa Liberal, Bloco de Esquerda e PAN apresentaram propostas que pressionam a maioria no sentido de repor os debates quinzenais e outros partidos mostraram apoiar a medida. Será o primeiro teste à “maioria de diálogo” prometida por António Costa.
Outro tema herdado da legislatura anterior e que promete marcar a que agora se inicia é o da eutanásia. Depois de dois vetos presidenciais, o assunto ficou pendente aquando da dissolução da Assembleia em Dezembro. Agora, uma vez que os partidos a favor da eutanásia mantêm uma maioria alargada, prevê-se que o Parlamento faça as clarificações pedidas pelo Presidente e rapidamente volte a aprovar um diploma. Logo na primeira sessão da nova legislatura, o Bloco de Esquerda voltou a trazer a matéria para cima da mesa, com nova proposta.
Haverá certamente muitos outros temas a destacar, que não os que já aqui elenquei. Há imenso trabalho por fazer na Assembleia da República, que ficou adiado enquanto partimos para eleições e nos focámos nos jogos intrínsecos à atividade política. Mas já perdemos muito tempo. Deixemos os jogos de parte – pelo menos, temporariamente – e levemos este país adiante, rumo ao futuro.