Tempo é a luta


É criminoso o que estão a fazer com os enfermeiros. Com os profissionais de saúde, em geral. Na minha formação, fui várias vezes elogiada por ter escolhido um caminho tão "nobre", tão "bom", porque ia "ajudar pessoas que tanto precisam de cuidado". A nobre, mui nobre arte do cuidar – ainda assim, uma profissão. Enquanto os profissionais de saúde forem vistos meramente como pessoas "vocacionadas" e não como pessoas com sonhos, metas profissionais e pessoais, com uma vida fora do local de trabalho, tudo o que a profissão tem de nobre, deixará em breve de o ter. Até porque deixará de ter profissionais – um cenário que ninguém quer ver, apesar de estar já bem à vista.

Em algumas entrevistas que fiz a utentes do Serviço Nacional de Saúde, na sua compreensível revolta, muitos diziam que "os enfermeiros" ou "os médicos" ganham "demasiado dinheiro para o que fazem", fazem “muitas pausas”, “almoçam ou jantam no refeitório” do hospital, deixando as pessoas sozinhas no serviço onde estão internadas. A grande maioria, felizmente (ou não), continua a achar que somos "nobres", apesar de muitos serem "más pessoas", porque não estão sempre lá para o doente/utente, não estão sempre sorridentes, alguns são sisudos e não têm "aquele toque", não são tão carinhosos ou afáveis. Muitas pessoas revêem-se nestas afirmações. Porém, não são só meros cidadãos que argumentam desta forma. Os responsáveis por detrás das decisões, ou melhor, por detrás do dinheiro, fazem-se valer destes mesmos argumentos, apesar de os tecerem de uma forma mais toldada, mais soft, ou não os tecerem sequer – em público. Porém, estes argumentos também servem e estão por detrás de muitas decisões, ou da falta delas, que têm motivado esta adjetivação dos profissionais de saúde: ganham muito e fazem pouco. Ou, pelo menos, não fazem tanto quanto deveriam fazer!

Profissionais de saúde a fazer uma cirurgia

Fonte: Klinika KEIT, CC BY-SA 4.0, via Wikimedia Commons

Ora, valerá a pena explorar outros pontos que não apenas os remuneratórios, claro está. Até porque das (poucas) greves e manifestações de profissionais de saúde que se vêem, as reivindicações passam largamente ao lado do aspeto meramente remuneratório, focando-se exaustivamente nas condições de trabalho. Tempo de qualidade com os doentes: é por isto que os profissionais de saúde lutam. Tempo de qualidade para descansar: é por isto que os profissionais de saúde lutam. Tempo de qualidade para estarem com os seus entes queridos e família: é por isto que os profissionais de saúde lutam. Tempo de qualidade para viverem: é por tudo isto que os profissionais de saúde lutam.

Tempo é dinheiro e é aí que reside o problema. É essa circunstância que tanto custa aos senhores dos Ministérios da Saúde e Finanças reconhecer. Porque tempo é dinheiro...

Os profissionais de saúde lutam por isto: por tempo de qualidade. Lutam por si e pelos seus doentes e suas famílias. Lutam pela sua vida, que vai passando enquanto salvam a de outros. Palmas não chegam. Agradecimentos formais em congressos e no Parlamento não chegam. É necessária ação. O tempo não volta atrás. Mas políticas públicas sim.


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