Um vestido progressista


No passado dia 13 de Setembro, a congressista Alexandria Ocasio-Cortez foi o centro das atenções, aquando da sua entrada para a “Met Gala de 2021”. Em bom rigor, as atenções não estavam na congressista, mas sim no seu vestido: um vestido branco com letras vermelhas garrafais a dizer “tax the rich”.

Para quem conhece e segue o trabalho da congressista, este tipo de intervenção não é incomum. Alexandria Ocasio-Cortez é uma das principais vozes da ala mais progressista do Partido Democrata, um peso pesado do grupo “Socialistas Democráticos da América” e representa, segundo a mesma, “(the) working-class people over corporate interests”. O segmento populacional que a congressista representa demonstra um sentimento (válido) de que contribui demasiado para a sociedade, nomeadamente no que diz respeito aos impostos. Este sentimento torna-se ainda mais justificado quando verificamos que, nas últimas décadas, os muito ricos têm vindo a pagar cada vez menos impostos e os mais pobres cada vez mais, como mostra a figura em baixo, explorada em maior detalhe num artigo anterior.

Fig. 1.1 Progressividade nos EUA.

Progressividade nos EUA

Na década de 80, com Ronald Reagan e Margareth Thatcher ao leme, iniciou-se a política de trickle-down economics, isto é, diminuir a carga fiscal para os mais ricos, com o pretexto de gerar mais emprego, aumentar o investimento, e permitir que, em última instância, benefícios “descessem” (trickle down) até restante sociedade. No entanto, esta política apenas resultou num aumento da desigualdade, como mostra a subida do indicador de Gini de 0.38 para 0.41, nos E.U.A. Este indicador reflecte a desigualdade de rendimentos e está compreendido entre 0 e 1, sendo 0 igualdade absoluta e 1 desigualdade máxima). A velha máxima “Tax cuts don’t trickle down” está comprovada.

Se queremos aumentar o investimento, devemos aliviar a carga fiscal dos mais pobres e da classe média (e de empresas dessas das mesmas dimensões). Estes gastarão o acréscimo de rendimento em consumo, estimulando a produção, o investimento e o aumento de emprego. Esta teoria é defendida por Noam Chomsky, filósofo americano que analisou 10 princípios da concentração da riqueza e do poder no livro "Réquiem para o sonho Americano”, cuja parte económica é, nitidamente, pós-keynesiana.

Poderíamos corrigir vários problemas de desigualdade e redistribuição se implementássemos um imposto europeu, ou até mesmo mundial, sobre os patrimónios elevados, nomeadamente sobre as fortunas. Um bom modelo seria o ISF (Impôt de solidarité sur la fortune), que existiu em França e, infelizmente, foi extinto pela presidência Macron. Deveríamos definir escalões, de modo a tornar o imposto progressivo e, por conseguinte, mais justo. Aliás, um imposto deste género só fará sentido se for progressivo, tendo em conta a rentabilidade do capital, ou seja, a capacidade de gerar dinheiro com dinheiro. Esta capacidade sobe significativamente com a quantidade de capital disponível. Assim, por exemplo, um cidadão com 30 mil euros disponíveis para investir consegue obter uma rentabilidade da ordem dos 2-3%, enquanto que um cidadão com 30 milhões de euros disponíveis consegue obter uma rentabilidade de 9-10%.

Tabela 1.1 Imposto progressivo sobre os patrimónios líquidos

Imposto progressivo sobre os patrimónios líquidos

Os valores indicados na Tabela 1.1 servem apenas para introduzir a discussão e mostrar a progressividade de um imposto deste género, isto é, não sendo, portanto,vinculativos.

Quando os rendimentos de capital crescem mais que o rendimento de trabalho, ou quando a rentabilidade do capital é superior ao crescimento dos salários, ocorre uma maior acumulação de quem já possui esses capital (conceito de rentabilidade (r) superior ao crescimento (g), explicada em mais detalhe no livro “Capital e Ideologia” de Thomas Piketty). Assim, um imposto sobre a fortuna seria uma das poucas formas de combater a desigualdade na acumulação de capital, promovendo a circulação do capital do topo para a base, uma maior mobilidade social e correção das desigualdades “de berço”. Poderíamos ainda utilizar as receitas fiscais de um imposto deste género para financiar a educação, baixar os impostos para as pequenas e médias empresas (promovendo incentivos fiscais para inovação e tecnologia), aumentar o bem-estar social ou aumentar as verbas doadas para países com elevadas taxas de pobreza.

O vestido da Alexandria Ocasio-Cortez é bastante controverso. Especialmente se tivermos a mentalidade da família do príncipe Fabrizio, em “O leopardo” de Di Lampedusa, que ”não havia sabido fazer nada mais que adicionar das próprias despesas e subtrair das próprias dívidas.”.

O autor não segue o novo acordo ortográfico.


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